sábado, 10 de dezembro de 2011

Aristóteles

 I. A ontologia - Livro IV da Metafísica.

O livro IV contém a introdução a Ontologia aristotélica. Pretendemos visualizar e preencher o mistério sobre o ser. Visamos trabalhar os seguintes pontos: i)A metafísica como ciência do Ente enquanto ente concomitante como ciência das primeiras causas; ii) O mais firme princípio segundo enunciado por Aristóteles: o princípio da não-contradição; iii) O conceito de Ente; iv) A tábua dos significados do Ente.

i. A metafísica como ciência do Ente enquanto ente concomitante como ciência das primeiras causas

Conforme já visto nos textos anteriores a Metafísica é a ciência que especula acerca dos primeiros princípios e das primeiras causas. No livro IV, Aristóteles quer mostrar que isso significa que ela também é ciência do Ente. Para mostrar isso, primeiro Aristóteles supõe que existe uma ciência que trata do Ente. Feito isto, determinará uma série de características desta ciência. Finalmente mostrará que esta ciência do Ente somente pode ser a mesma Metafísica que trata dos primeiros princípios e das primeiras causas, e por isso mesmo a Filosofia Primeira.
A Filosofia enquanto ciência deve constituir-se por analogia com as outras ciências. A Filosofia como ciência pretende ter o carácter de Filosofia Primeira, situando-se à frente das outras ciências, deve procurar um objecto próprio que a caracterize frente às outras ciências e que lhe der a sua superioridade correspondente. Este objecto como dissemos é o Ente (τò όυ). O Ente entendido como aspecto mais fundamental e próprio da realidade, o ser da própria da realidade ou o ser da realidade. O Ente é encarado na sua concepção geral, situando-se além de uma categorização não sendo reduzível portanto ao género ou espécie. Todas as ciências por sua vez consideram os entes, mas apenas na sua superfície ou particularidade. Nenhuma ciência até hoje diria Aristóteles, considerou o Ente na sua especificidade, pois todo o domínio do ser é repartido para análise. Desta forma nenhuma ciência encara a pergunta verdadeiramente sobre o que é o Ente?, A resposta a esta pergunta reconduzir-nos-ia a doutrina platónica, reduzindo tudo ao mundo das ideias, pois procuraríamos apenas a essência.
A questão sobre o Ente, de maneira que  leve-nos ao Ente dos primeiros princípios ou dos mais fundamentais para toda realidade deve ser reformulada. A ciência não só deve saber o que é o mais verdadeiro, como ainda, o que lhe está próximo e o que de facto não é verdadeiro. A Filosofia Primeira para ser ciência deve ter um objecto que lhe permita o estudo, a análise repartida e consequente categorização, tendo em consideração o Ente como Uno. Assim a pergunta que se deve fazer não é a que vimos acima (o que é o Ente?) mas sim O que é o Ente enquanto ente (on ή on)? Será este o objecto da ciência primeira. Abre-nos as portas aos atributos e predicações possíveis e essências. Podemos assim passar a construção da ciência primeira, da Filosofia Primeira ou seja Metafísica.
A sua análise permite-nos oferecer as outras ciências a visão de todo o Ente (coisa que elas apenas têm analisado parcialmente), justificando-lhes o trabalho (visto que o tomamos mais primordialmente), e tornando-se o pressuposto indispensável de toda investigação. A análise do Ente enquanto ente permitepor isso encarar a pergunta pelo Ente na sua maior universalidade, primordialidade, autonomia e fundamentação.

ii) O mais firme princípio segundo enunciado por Aristóteles: o princípio da não-contradição

“ (…) posto que é evidente que os axiomas se aplicam a todas as coisas enquanto entes (pois isto [o Ente] é o que tem todas em comum), ao que conhece o Ente enquanto ente corresponde também a contemplação destes (os axiomas)”. Metaph. IV 3, 1005a 27-30.

Toda e qualquer ciência recorrem a princípios, são estes os pressupostos sob os quais ergue sua investigação. A nossa Filosofia Primeira por ser primeira deve então recorrer aos primeiros princípios, os mais fundamentais. Este deve ser o axioma que é impossível enganar-se e universalmente aceite. Não é uma hipótese mas sim algo que necessariamente dar a conhecer o que quer conhecer qualquer coisa. Este é o princípio da não-contradição.
A sua possessão é prévia a todo e qualquer conhecimento. Para melhor entendê-lo e saber seu valor dentro da Filosofia aristotélica, creio poder encara-lo sob duas perspectivas significativas. A primeira é que este princípio é o princípio constitutivo do ente enquanto tal, e a segunda é este princípio a condição de toda investigação acerca do ente. É assim simultaneamente, um princípio lógico e ontológico. Duas passagens da Metafísica ajudar-nos-ão a esclarecer este sentido:

“ (…) É impossível, em efeito, que um mesmo atributo se de e não se de simultaneamente no mesmo sujeito e em um mesmo sentido (…) Este é pois, o mais firme de todos os princípios.” Metaph. IV 3, 1005b19-24.

“ (…) Está claro que é impossível que um mesmo (sujeito) admita simultaneamente que uma mesma coisa seja e não seja.” Metaph. IV 3, 1005b 29-30.

A primeira passagem elucida-nos sobre a maneira mais lógica de se encarar o ente. Aqui constata-se a impossibilidade para predicar de um mesmo sujeito atributos que possam simultaneamente ser e não-ser. A procura pelo sentido mais verdadeiro do Ente, elucida que cabe mais necessariamente a lógica, visto que correspondem mais a pensamentos e argumentos do que ao realmente dado. O segundo refere-se a impossibilidade de se assumir para o mesmo Ente que este possa ser e não-ser, sendo este o sentido mais ontológico do argumento de não-contradição.
 No entanto, o princípio de não-contradição não pode ser demonstrado, pela sua própria característica de ser princípio ou seja um axioma. Caso contrário recorreríamos a outros princípios e assim até ao infinito, o que levaria a impossibilidade deste método para nossa ciência. Resta a Aristóteles demonstrar aqueles que procuram a força do argumento ou seja aos que procuram uma argumentação mais rigorosa, a validade de princípio, através da refutação. Aristóteles constata que aqueles que buscam negar o princípio de não-contradição “buscam o impossível; pois reclamam poder dizer coisas contrárias, dizendo directamente coisas contrárias” Metah. IV 6, 1011a 16-17. Ou seja, basta que o seu oponente afirme algo, isto é que defenda esta tese contra o princípio que estará necessariamente usando o próprio princípio e portanto invalidando sua própria tese. Isso porque, no momento em que chega a defender a tese de que não é válido o princípio de não-contradição, quem contradiz não nega, mas admite o princípio. Ou seja, sustenta a sua tese (negação), ao mesmo tempo que a destrói (porque não admitir o princípio equivale a afirmar a verdade da negação). Cai por isso mesmo todo aquele que contradiz o princípio, diante uma demonstração por meio da refutação.
Como foi analisado este é princípio fundamental sobre o qual vamos insrerio o obecto de pesquisa, o Ente enquanto ente. Como o ente é dito?

iii) O conceito de Ente

Aristóteles tendo descoberto a metodologia pela qual irá incidir seu pensamento, procura então demonstrar a validade e força deste argumento para encarar o Ente naquilo que possui de mais fundamental e real. Assume-se agora uma postura de combate e põe-se frente a frente com Heraclito, Demócrito, Parménides, Empédocles e Anaxágoras.
Utiliza o significado do princípio de contradição para mostrar que coisas diferentes são necessariamente diferentes. O conceito de Ente é assim uma necessidade, pois existe a necessidade de encarar a realidade distintamente. O nome tem significado único (trata-se portanto de uma filosofia nominal). Ente é, e necessariamente não pode Não-ser.

 “Pois o que significa “ser necessário” é “não poder não ser”. Metpah. IV 4, 1006b31-32.

O sentido de necessário é para onde deve-se voltar o olhar. O objecto da Filosofia surge por necessidade, e é necessáriamente o Ente, pois este é o mais verdadeiro. A necessidade, rejeita a concepção unívoca do Ente como sinónimos, pois isso levaria que tudo fosse apenas uma só coisa. Não-ente é apenas de forma homónima ou equívoca. Por outro lado,  Ente é um conceito que surge como resultado da comparação dos diversos entes, ou seja, surge por analogia sobre aquilo que lhe é comum ou apenas subtração de suas diferenças. O seu conceito é mais largo do que género e espécie, ou melhor é só um género particular dos entes. Porque apesar de dizermos o ente de diversas maneiras, todas se referem apenas a uma só. O ente mais necessário Ente enquanto ente é Uno. Isto é equivalente a essência, a quididade e em primeira instância e mais fundamental a substância. O princípio da não-contradição tomado então no seu sentido ontológico-lógico conduz directamente ao ser mais necessário, o Ente enquanto ente, e este é necessariamente a substância.

Mas antes de entrarmos na substancialidade vale realçar a tábua que surge da análise do ente no livro IV.

iv) A tábua dos significados do Ente.

No livro IV temos a elaboração de uma tábua dos significados dos Entes a medida que vamos acompanhando o desenrolar da argumentação aristotélica. Assim analisaremos de seguida: a) a substância e acidentes; b) acto e entelequia; c) o ente em si mesmo; d)o ente como verdadeiro.

A primeira que nos surge é diferença entre a substância e os acidentes. Acidente é tudo aquilo que é dito de um ente. Frases que podem exemplificar são: “Sócrates é Branco” ou “Sócrates é músico” etc. O acidental é o “ser branco” ou “ser músico”. Aristótoles compara com a proposta dos Eleatas. Estes afirmam que não se pode haver definição do ente poies este só pode ser considerado acidentalmente, ele é acidentalmente. No entanto estes fogem a pergunta. Pois se é acidental é em relação a algo, não procuramos os acidentes que sabemos que existem, mas antes o ser que se encontra por detrás destes ao qual é aplicado o acidente branco ou músico etc. 

“Porém se todas as coisas se dizem como acidentes não heverá nenhum ente primeiro do qual se digam, se é que “acidente” significa sempre o predicado de algum sujeito. Será, pois, necessário proceder ao infinito”. Metaph. IV 4, 1007a33-35.

Mas isto é impossível e como mostra Aristóteles o acidente não é acidente de um acidente mas o que parece realmente acontecer é que ambos os acidentes remetem ao mesmo ente, logo acontece que “nem todas as coisas se dirão acidentalmente” Metaph. IV 4, 1007b 16-17. Mas umas serão acidentes ou seja aquilo que é dito e outras substâncias, aquilo de quem é dito. “E significar substância equivale a dizer que não é nenhuma outra coisa sua essência” Metaph. IV 4, 1007a 27-28.

Porém existe uma maneira, de o ente ser os opostos. Nesta situação da nossa locução vamos encontrar o Ente entendido como Potência, um indeterminado, e o Ente entendido como entelequia ou em Acto. Realiza-se o debate num confronto com Protágoras e Anaxágoras, pois defendem que todas as coisas têm o mesmo significado sendo todas as coisas uma só. Isso é o equivale a relativizar toda a realidade e considera-la como falsa. O que relativiza o próprio ser,  ou seja somos necessáriamente falsos? Aristóteles aponta que estes apenas consideram o Ente no seu sentido indeterminado ou seja como potência, e esquecem o Ente em entelequia. “Pois o Ente em potência e não em entelequia é o indeterminado” Metaph. IV 4, 1007b 28-29. O Ente assim é em potência tudo o que pode vir a ser manifestado em acto. A sua potência é exactamente a sua possibilidade de vir a ser, e neste sentido algo pode vir a ser ou apenas não vir a ser e manter-se em potência. Este assunto será melhor aprofundado nos livros VII e VIII da Metafísica.

Mas afianal como entender o ente? Oposto ao ente acidental ou ser acidental surge o ser em si mesmo ou o ente em si mesmo. A natureza do ente é em si mesma, é mais verdadeira e não pode assumir contrários nem deixar de ser o que é. Esta parece ser a hipótese mais verdadeira, porque é necessário que algo seja mais verdadeiro, caso contrário deveriamos considerar igual a opinião de um médico e de um ignorante.

“ Em efeito, aquele que opina, comparado com aquele que sabe cientificamente, não está saudavelmente disposto em ordem da verdade”. Metaph. IV 4, 1008b 29-31.

O Ente uno, mais verdadeiro, não acidental, ao encara-lo na realidade na sua mundanidade o que é a sua essência e o que é a relaidade a sua volta? É a mesma realidade? Aristóteles afirma que aqueles que vieram antes dele com Demócrito, Empédocles, Parménides e até mesmo Homero parecem afirmar que as aparências são todas verdadeiras e são verdadeiras também todas as opiniões baseadas nas sensações. Estes dizem que aquilo que sentimos é o que que sentimos, e somos isso e nada mais. Baseando-se nisto, chegam mesmo a considerar que como toda natureza sensível  “move-se” e como de tudo que muda nada podemos afirmar com verdade logo nada se pode dizer de verdade acerca dos Entes que são todos moveis e sensíveis, susceptíveis a mudanças constantes. Segundo Aristóteles todos estes “heracletizão” (Metaph. IV 5, 1010a 12.) e estão racionalmente coerentes porém não são mais verdadeiros. Pois como vimos o ente se diz de uma forma mais englobante e deral em dois sentido, como potência e entelequia, assim sendo esses que afirmam apenas a realidade das aparencias sensíveis reduz sua concepção ao ente como potência, pois só assim pode ele pode assumir os opostos. Ao considera-lo em sua mudança Aristóteles elucida que tudo que muda ou perde ou gera é sempre em relação a alguma coisa, não existe a mudança de Não-ente para Ente seria como perder algo que nunca teve. 

As diferenças de mudanças ocorrem em quantidade e em qualidade. A região do sensível apenas é uma parte do todo que é o Ente e a verdade deste não equivale portanto a verdade do todo mas apenas a esta parte. “E acerca da verdade, digamos que nem todo o aparente é verdadeiro” Metaph. IV 5, 1010b1-2.  
Existem ainda duas considerações finais, pois mesmo que nossa sensação do objecto não seja falsa a fantasia que temos não se identifica com a sensação do real. A segunda é o reconhecimento da verdade mais necessária, pois dois quilos de bananas serão sempre doi quilos de bananas, independentemente que seja carregado por um fraco (tenha muita dificuldade) ou por um forte (mais facilidade). A realidade aparece para ambos diferente, porém para um observador imparcial, percebe que estão com a mesma realidade, em si e para si. 

“Mas, se nem todas as coias são relativas, porém que haja também algumas que existem em si e por si, não pode ser verdadeiro todo o aparente; pois o aparente é aparente para alguém”. Metaph. IV 6, 1010a22-24.

II. Conclusão
Chegando aqui vale agora dizer que após este trabalho de elucidação e esclarecimento do pano sobre o qual desenrolará o Ente, a ontologia aristotélica do Ente enquanto ente sofrerá uma grande restrição de seu objecto de estudo, encarará o ente enquanto mesma natureza compartilhada. O que isso quer dizer? A ontologia mutar-se-á de uma ciência que pergunta sobre o Ente em propriamente uma Filosofia Primeira que estuda a substância (ousía). A Filosofia Primeira deverá portanto esclarecer o que é a essência da substância. Aqui é onde se encontra a dificuldade de sua ontologia. Pois num primeiro momento a substância equivale ao indivíduo subsistente e sujeito. Considerando a substância neste sentido, não pode haver ciência porque ela apenas versa sobre o Universal. No segundo momento procurará a substancia no seu papel para reconduzir-nos ao estudo das razões ou causas das substâncias sensíveis, caindo então para análise das suas formas ou essências que são as responsáveis pela actualização da matéria.A dificuldade de solução será abordada nos próximos livros











 Livros Online: 
  1. Sobre a M. de A. Leandro Silva: http://www.scribd.com/doc/50665540/SOBRE-A-METAFISICA-DE-ARISTOTELES
  2. S. Tomás de Aquino
    COMENTÁRIO À METAFÍSICA DE ARISTÓTELES CONDENSADO:   http://www.documentacatholicaomnia.eu/03d/1225-1274,_Thomas_Aquinas,_Aristotelis_Libri._in_Libros_Metaphysicorum,_PT.pdf
  3.  Introdução a metafísica, Michael J. Loux/Notre Dame Indiana: http://criticanarede.com/intrometafisica.html
Procurar ainda:
  1. Strawson, P. F. 1919 Analysis and metaphysics: an introduction to philosophy. Oxford U. P. Cota: 1 STR,P.